Neste quadro, Édouard Manet pintou a sua futura cunhada, a pintora Berthe Morisot, a violoncelista Fanny Claus e o pintor Antonin Guillemet.
Estão à janela de uma sala, cujo interior se "adivinha" num fundo escuro e onde se entrevê, à esquerda, um criado ( para o qual terá posado o seu filho, Léon).
Manet inspirou-se nas "Majas al Balcone" ( Majas à varanda) de Francisco Goya para construir a composição deste quadro.
A tela, nos quadros dos dois artistas, está dividida em duas pela linha recta do varandim, colocada em primeiro plano.
Francisco Goya
"Majas à Varanda"
1800-1814
Óleo sobre tela - 194,8x125,7 cm
Metropolitan Museum of Art , Nova Iorque
Nesta obra, Manet, sobre o fundo escuro em tons de castanho e preto, pintou a brancura dos vestidos das duas raparigas, apenas o verde azulado da varanda e das persianas quebra o equilíbrio entre os brancos e os negros.
Este tema inspirou, alguns anos mais tarde, outro pintor - René Magritte.
René Magritte
"Perspectiva II: O Balcão de Manet"
1950
Óleo sobre tela - 81x60 cm
Museum van Hedendaagse Kunst, Bélgica
No quadro de Magritte, as figuras da obra de Manet foram substituídas por caixões, no entanto, o resto da composição mantém-se.
O lugar dos vivos é ocupado por objectos mortos e o que mais me choca e angustia, ao observar este quadro, é precisamente o facto de o lugar do senhor vestido de preto e das duas jovens vestidas de branco ser ocupado por símbolos da morte. Os caixões adoptam a mesma posição das figuras do quadro de Manet (de pé o homem e uma das jovens, sentada a outra jovem, atrás o jovem criado) numa atitude antropomórfica.
Vivemos dias de incerteza e desesperança, de angústias e desigualdades, mas há que encontrar saídas e caminhos para o futuro.
Quantas vezes, ao longo da História, não existiram períodos semelhantes. Semelhantes, sim, mas não iguais, porque a mesma água não passa duas vezes por baixo da mesma ponte.
São períodos assim, como os que estamos a viver, que geram desilusões e uma vontade de desafiar as ideias convencionais.
E foi saltitando de reflexão em reflexão que "desaguei" no período conturbado da 1ª Guerra Mundial e no Dadaísmo. Não sei explicar esta associação de ideias, mas também não importa, não foi o Dadaísmo o movimento artístico do absurdo?
Tudo começou em 1916, no "Cabaret Voltaire", em Zurique, onde, em plena 1ª Guerra Mundial, um grupo de artistas emigrados, liderados por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp se insurgiram contra os valores artísticos e culturais daquela época e desafiaram o mundo desenfreado em que viviam.
" (...) O Dadaísmo deu aos artistas uma plataforma para contestarem os valores académicos e vanguardistas. Fundamentalmente anarquista, o Dadaísmo foi inicialmente uma reacção aos horrores da guerra e aos sistemas que a haviam causado.
A arte, poesia e espectáculos dadaístas não eram "organizados", nem coesos, mas uma expressão pessoal de raiva, sátira, crítica e negação." *
O Dadaísmo ocorreu entre 1916 e 1922 e mais do que um movimento, foi um fenómeno artístico que tinha uma atitude comum em relação ao fazer e ao pensar a arte. Confrontou o irracional e o absurdo com os valores burgueses ultrapassados. Fez tábua rasa de todas as convenções ideológicas, artísticas e políticas e pretendeu recriar uma estética e uma arte a partir de processos que pareciam ser destrutivos e autodestrutivos.
"Porém, a abolição da arte tão ambicionada pelos dadaístas não era tão simples como eles pensavam: a rebelião contra o conceito burguês de arte, que os dadaístas pretendiam com a sua anti-arte, só podia funcionar se os produtos e reproduções assim obtidas fossem tidos como "arte".
Se a categoria "arte" deixava de desempenhar uma função importante na avaliação dos trabalhos, as obras anti-artísticas perdiam a sua potencialidade provocante e por consequência a sua força explosiva." **
Os artistas dadaístas não tiveram um estilo uniforme, o que os unia era uma ideia de protesto contra os valores corruptos da sociedade burguesa, para eles responsáveis pelos horrores da guerra. Apesar de se viver este período trágico, o dadaísmo expandiu-se e teve uma rápida difusão internacional, de Zurique passou para Barcelona, Berlim, Colónia, Hanover, Nova Iorque e Paris.
Após o fim da Guerra, os jovens sentiam necessidade de exprimir a sua alegria por estarem vivos. era a vitória da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra.
Mais tarde, por volta de 1963, Tristan Tzara, um dos fundadores do dadaísmo, afirmou: " Dada não foi somente o absurdo, a sátira, Dada foi uma expressão muito forte dos jovens, nascida durante a guerra de 1914. O que nós queríamos era fazer tábua rasa dos valores em curso, em proveito dos valores humanos mais altos".
Marcel Duchamp ( 1887-1968) foi talvez o artista que melhor conseguiu captar esta atitude iconoclasta, quando, em 1919, pegou numa reprodução da Mona Lisa e nela desenhou um bigode e uma barbicha e acrescentou uma legenda com cinco letras - L.H.O.O.Q. ("elle a chaud au cul" - ela tem o rabo quente)
Marcel Duchamp
"L.H.O.O.Q."
1919
Lápis sobre uma gravura de Mona Lisa de Leonardo da Vinci - 19,4x12,2 cm
Colecção privada
Também Francis Picabia (1879-1953) adoptou uma abordagem irreverente face às convenções sociais e artísticas. As suas obras centram-se na imagem da máquina como uma metáfora do carácter absurdo e desumano do mundo moderno, um exemplo é o quadro "Rapariga nascida sem mãe" (1916-18).
Mas foi na Alemanha que os artistas Dada adoptaram uma abordagem política mais aberta.
No quadro "Mutilados jogando às cartas", Otto Dix representou três homens a jogar às cartas num café da cidade.
Cada figura apresenta-se mutilada, substituindo-lhe os membros por próteses e desenhando-lhe as faces atadas e remendadas.
Otto Dix
"Mutilados jogando às cartas"
1920
Óleo sobre tela - 110x87 cm
Berlim, Nationalgalerie
Há nesta obra uma ligação muito explícita aos horríveis danos causados pela guerra.
O Dadaísmo pretendia obrigar as pessoas a pensarem e a mudarem de mentalidade.
O pintor francês Francis Picabia dizia que " a cabeça é redonda, para que o pensamento possa ir mudando de direcção" e porventura nestes dias confusos que vivemos, precisávamos de fenómenos dadaístas.
* Newall, Diana - "Compreender a Arte" - Editorial Estampa, Lisboa, 2008
** Kraube, Anna-Carola - "História da Pintura - do Renascimento aos nossos dias" - Könemann, Colónia, 2001
Mais uma vez escrevo sobre Berthe Morisot, porque cerca de 150 obras (óleos, pastéis, aguarelas e desenhos) desta artista estão patentes, desde 8 de Março (Dia Internacional da Mulher - não deve ter sido escolhida, por acaso, esta data para a inauguração) até ao próximo dia 1 de Julho, no Museu Marmottan Monet, em Paris.
Esta retrospectiva homenageia a grande pintora impressionista Berthe Morisot, e dá realce à presença feminina nas artes plásticas, tantas vezes, melhor dizendo, sempre tão esquecida.
A selecção das obras, em exposição, mostra o percurso desta mulher, desde o período da formação junto de Camille Corot, até aos seus últimos trabalhos.
É uma caminhada pela arte delicada de Berthe Morisot, que escolheu como tema central da sua obra a celebração da mulher e da criança.
"O meu perfil é duro como o perfil do mundo. Quem adivinha nele a graça da pintura? Pedra talhada a pico e sofrimento, é um muro hostil à volta do pomar. Lá dentro há frutos, há frescura, há quanto faz um quadro doce e desejado; mas quem passa na rua nem sequer sonha que do outro lado a paisagem da vida continua."
Miguel Torga - Diário VI 1953 (adaptado)