... " Quero dormir e sonhar

um sonho que em cor me afogue:

verdes e azuis de Renoir

amarelos de Van Gogh." ...

António Gedeão
(1956)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A caminho da abstracção




Maurice Denis
"As Musas no bosque sagrado"
Óleo sobre tela, 171,5x137,5 cm
1893
Museu d´Orsay, Paris



Que nos é dado ver neste quadro?
Um bosque. Um bosque em tons outonais, frequentado por elegantes senhoras, por entre  árvores majestosas.

E que intrigante é esta representação, assim como o título do quadro! - "As Musas no bosque sagrado".

O que à primeira vista nos parece ser um episódio da vida quotidiana, que era comum os impressionistas representar nas suas obras, transforma-se com Maurice Denis numa cena intrigante.
O que fazem estas elegantes senhoras, em poses afectadas, no seio de um bosque?
Maurice Denis chama-lhes Musas.

Este tema da mitologia grega é recorrente em obras de grandes artistas do passado, mas Maurice Denis trata-o de modo a que o observador seja iludido e não se aperceba logo da contradição entre a representação formal e o título.

As Musas, segundo a mitologia grega, eram divindades, filhas de Zeus e Mnemósine, deusa da memória e viviam junto do Olimpo onde alegravam, com os seus  cânticos e graciosas danças, os banquetes dos deuses ou lamentavam a morte dos heróis nos seus funerais .
Foi Homero que, na Odisseia, fixou o número das Musas: nove; mas foi Hesíodo que, na Teogonia lhes deu o nome: Calíope deusa da poesia épica, Clio da história, Euterpe da música e da poesia lírica, Erato da poesia lírica coral, Terpsícore da dança e da poesia lírica com dança, Melpômene da tragédia, Tália da comédia, Polímia dos hinos dedicados aos deuses e da pantomina e  finalmente Urânia da astronomia.
Representadas como raparigas belíssimas, vestindo trajes esvoaçantes e trazendo nas mãos os símbolos dos seus atributos: máscaras da tragédia e da comédia, instrumentos musicais, pergaminho  ou globo.

Mas as Musas, deste quadro, não são representadas deste  modo tradicional. Não trazem nas mãos os símbolos dos seus atributos, não parecem ser aquelas deusas da mitologia grega. Aparecem vestidas e penteadas de acordo com a moda contemporânea do artista (finais do século XIX).

E que espanto! Não existem Musas nos nossos dias?
Claro que sim!
Não vestem como deusas gregas, não se lhes conhecem os atributos destas divindades, mas são inspiradoras e protectoras.
O que dizer quando um enamorado proclama à sua amada: És a minha musa! ?
Ela é real, é contemporânea, é tangível. Ela existe, é inspiradora.

Voltemos à obra de Maurice Denis.

Maurice Denis (1870 - 1943) foi um seguidor da escola de Pont-Aven, criada por Paul Gauguin. Farto da turbulência da grande cidade de Paris, Gauguin parte para esta pequena aldeia na Bretanha onde encontrou a espontaneidade, a autenticidade e a ingenuidade que tanto buscava. Aconselhava os outros pintores: "Não imitem demasiado a natureza. A obra de arte é uma abstracção". "O mais importante é a emoção, a comoção da alma; só depois vem a compreensão".

Em Pont-Aven, outros jovens pintores juntaram-se a Gauguin, como por exemplo: Paul Sérusier e Emile Bernard.

Paul Sérusier vai liderar, nos finais do século XIX, o grupo dos Nabis (os Profetas), que seguiam os ideais artísticos de Paul Gauguin, concentrando-se na expressão artística e no simbolismo.
Maurice Denis pertenceu ao grupo dos Nabis.

Os Nabis pretendiam estar à frente do seu tempo, abrindo novos caminhos à arte.
Interessavam-se pelo exótico e pela arte oriental.
No quadro "As Musas" Maurice Denis cria um espaço sem profundidade como nas estampas japonesas.

Apreciavam a pintura baseada na deformação da realidade.
Denis, nesta obra, deforma a realidade objectiva através da representação das personagens cristalizadas em poses afectadas, como em alguns jogos infantis, assim como na representação das silhuetas das árvores, que nada têm de natural e do chão, coberto de folhas que mais parece uma carpete.

Para os Nabis a cor é o elemento fundamental nas suas composições. Utilizam as cores com grande sentido estético. Empregam tons que vão dos cinzas aos verdes, passando pelos castanhos e ocres...
Nesta tela, Maurice Denis utiliza os castanhos potenciando o sentido decorativo.  As cores outonais, quase feéricas, intensificam o jogo gráfico das linhas e dos entrelaçamentos. A linha é mais decorativa do que nunca realçando as poses e a elegância das personagens femininas. Mas para contrastar e reequilibrar a suavidade dos traços das figuras e das copas das árvores, surgem as linhas verticais dos troncos, dando espessura e volume ao conjunto.
Maurice Denis obtém o resultado esperado: um quadro elegante, sugerindo uma atmosfera indefinida e misteriosa.

Os Nabis consideravam a arte como " a maneira subjectiva de expressar as emoções", libertando a pintura da representatividade.
A partir daqui está aberto o caminho à arte moderna, ao abstraccionismo.


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