... " Quero dormir e sonhar

um sonho que em cor me afogue:

verdes e azuis de Renoir

amarelos de Van Gogh." ...

António Gedeão
(1956)

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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Observando um Quadro ... de James Whistler - nº 26



James Abbott McNeill Whistler (1834-1903) nasceu nos Estados Unidos da América, mas viveu a juventude em S. Petersburgo e Moscovo, onde o pai se fixou para trabalhar como engenheiro na construção de uma via férrea.
Whistler aos 21 anos teve uma breve passagem pela Academia Militar de West Point mas, como não tinha nem físico, nem temperamento para a vida militar, foi expulso. Por graça costumava dizer: " Se o silício fosse um gás eu teria sido major-general !".
Após esta experiência falhada, parte para Paris, porque queria seguir uma carreira artística. Nesta cidade contactou com artistas de vanguarda como Courbet, Manet e Degas, mas foi em Londres que estabeleceu a sua residência.




James Whistler
Nocturno em Preto e Ouro : A Queda do Foguete
1874
Óleo sobre tela, 60x47 cm
Institute of Arts, Detroit



Este quadro de Whistler foi exposto na Grosvenor Gallery em 1877 e provocou a ira do crítico de arte, John Ruskin, que o classificou como um insulto aos espectadores. E num artigo escreveu que esta pintura era " um pote de tinta atirado à cara do público".
Whistler  ficou furioso e interpôs contra este famoso crítico uma acção  por difamação.
O julgamento causou sensação!
Whistler foi difamado, mas o juiz deu-lhe razão, no entanto, foi obrigado a pagar as custas do processo, ficando arruinado.

A inspiração para esta obra nasceu de uma visita de Whistler a um espectáculo de fogo-de-artifício nos Cremorne Gardens, Londres.
Os espectáculos nocturnos que ocorriam nestes jardins, situados perto da residência de Whistler, inspiraram-no, sendo este um de vários quadros que pintou sobre este tema.
A ideia de usar na pintura títulos musicais foi uma proposta de Theóphile Gautier (1811-72), crítico de arte e que Whistler adoptou porque se adaptava perfeitamente aos seus intuitos.

James Whistler executou estes Nocturnos  com o tratamento liso da arte japonesa, em que não havia a preocupação de criar a ilusão de espaço.
Nunca os pintava no local, fazia-o de memória no seu atelier, porque queria preservar as impressões vividas nos Cremorne Gardens, sem que as cenas fossem descritas com demasiado pormenor. Pretendia que a pintura captasse o drama e a beleza do instante fugaz em que o foguete rebenta no ar e espalha na noite uma chuva de fagulhas.
Mal se vislumbram, neste ambiente nocturno, os vultos das árvores, de um lago ou mesmo dos espectadores sugeridos no primeiro plano.
Apesar da pincelada livre, Whistler trabalhava devagar, modificava com muita frequência o que tinha feito. Apagava os erros deixando apenas uma delicada película de tinta transparente. Criou um medium especial formado por goma, terebentina e óleo de linhaça, a que chamava "sumo" e que aplicava em camadas transparentes, depois  limpava-as até obter a imagem final que o satisfizesse.
Neste quadro usou várias camadas finas para dar a impressão de fumo que ascendia na escuridão, depois gotejou a superfície da tela para transmitir o efeito de fogo-de-artifício.
No canto inferior direito podemos ver a assinatura de Whistler que tem uma forma invulgar. Muitas vezes adoptou a sua assinatura de modo a formar uma borboleta, não é o caso nesta obra, mas era frequente fazê-lo.

A arte de James Whistler sugeria uma nova estética e por isso irritou John Ruskin, que acreditava firmemente nas virtudes da pintura pormenorizada e cuidadosa e nas finalidades morais e didácticas da arte.

Ficando a pergunta: deve a arte ter uma finalidade moral?
 
 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Observando um Quadro ... de Eugène Delacroix - nº 25


O quadro de Eugène Delacroix "A Liberdade conduzindo o Povo" comemora a sublevação dos Três Dias Gloriosos de Julho de 1830.
E foi utilizado como panfleto político de apoio ao levantamento dos Parisienses contra o regime tirânico de Carlos X.
Ele marca o momento em que o Romantismo abandonou os temas clássicos e iniciou uma nova temática procurada na vida contemporânea. O próprio Delacroix escreveu ao irmão: "Construí um tema moderno, uma barricada ... Já que não lutei, nem conquistei nada pela pátria, posso, ao menos, pintar por ela!"




 
Eugène Delacroix
"A Liberdade conduzindo o Povo"
1830
Óleo sobre tela, 260x325 cm
Paris, Musée du Louvre


Delacroix representou, neste quadro os diferentes grupos de combatentes que apoiaram a revolução de 1830, através dos seus chapéus - cartolas, boinas, gorros de pano ...
O próprio pintor apoiou os insurrectos e representou-se como o homem da cartola que caminha à frente dos combatentes.

Nesta representação não há um cabecilha, é a própria Liberdade que avança guiando o povo.
A figura central  do quadro é a Liberdade, representada de uma forma muito sensual e palpável. Figura de seios nus, com uma espingarda, munida de baioneta, na mão esquerda  e a bandeira tricolor na direita, tendo na cabeça uma boina frígia, símbolo da Liberdade, durante a Revolução Francesa.

Delacroix escolheu a mulher para transportar a bandeira republicana e tricolor. Esta escolha não foi inocente, quis exaltar a mulher que abandonou o lar para abraçar uma grande causa - a libertação do povo.
Esta mulher de seios desnudados pode ser vista como uma mulher do povo, de saia suja e pêlos nas axilas que avança sobre um tapete de cadáveres.
Aos pés da Liberdade jaz um cidadão ferido mortalmente que se esforça, num último alento, por olhá-la. Delacroix utiliza, no vestuário deste cidadão moribundo, as cores da bandeira, levando-nos a vê-lo como um patriota.
A bandeira tricolor pode ainda ser vista, ao fundo, esvoaçando nas torres da catedral de Notre Dame.

Se Delacroix se pintou a si próprio à direita da Liberdade, à esquerda pintou o jovem patriota, Arcole, que morreu em combate, perto do Hotel de Ville.
Este herói popular foi também imortalizado por Victor Hugo na personagem de Gravoche na sua obra "Os Miseráveis".

A composição deste quadro é clássica - em pirâmide - em que a Liberdade ocupa o vértice.
As arestas da pirâmide são formadas pelas armas empunhadas pelas diferentes personagens. De um lado várias linhas diagonais são criadas pelo homem da cartola e pelo operário, que caminham determinados, assim como pelo moribundo que, arqueando o corpo, ergue a cabeça em direcção à Liberdade. Do outro, o jovem adolescente, Arcole, cheio de entusiasmo e voluntarismo  ao empunhar as armas, forma uma linha diagonal com a baioneta transportada pela Liberdade, dando grande dinamismo a toda a composição.



domingo, 19 de agosto de 2012

Verão - Tempo de Felicidade - e a arte de Matisse

Saint-Tropez é hoje local de férias de reis e rainhas, de banqueiros e armadores, de estrelas da música pop ou da 7ª arte, mas nem sempre foi assim ...
Quando, no Verão de 1904, Henri Matisse a visitou era uma aldeia desconhecida ... um lugar paradisíaco, onde se vivia em verdadeira comunhão com a natureza.
As sucessivas viagens de Matisse ao Sul da França fizeram-no descobrir a luz mediterrânica, que irá dominar toda a sua obra.

O primeiro contacto que este pintor teve com esta luz foi no início de 1898, numa estada na Córsega e que depois se repetiu em visitas a Saint-Tropez e a Collioure, um pequeno porto da Catalunha francesa.
Estes encontros com a luz do Mediterrâneo influenciaram-no na cor e na pincelada.
Matisse, tal como aconteceu com van Gogh e muitos outros pintores do Norte, deslumbrou-se com a alegria do Sol do Midi, mas soube controlar esse deslumbramento, filtrando-o através da pintura de cortinas e persianas semi-cerradas que dão ao interior das casas frescura, ao contrário de muitas estradas escaldantes eternizadas nos quadros de van Gogh.

Muitos quadros de Henri Matisse, expostos no Salão de Outono de 1905, são deste período de descoberta da luz mediterrânica, mas desencadearam uma crítica feroz na imprensa e na opinião pública. O crítico de arte Vauxcelles apelidou os artistas que expuseram neste Salão de "fauves" - "feras". Este epíteto foi usado devido às cores expressivas e ao traço selvagem e desenfreado utilizado por estes pintores.
Os fauvistas deram plenos poderes à cor, emanciparam a cor face à realidade. Matisse definia o fauvismo como a "procura da intensidade da cor, sendo a matéria indiferente", mas acrescentava que o fauvismo não se resumia ao emprego das cores puras, o importante era colocar-se longe das cores de imitação e através do uso das cores puras conseguir reacções mais fortes.
Henri Matisse utilizou o fauvismo como uma etapa do seu trabalho, sabendo tirar partido das experiências vividas, indo mais longe e conseguindo, entre 1906 e 1917, aprofundar as suas investigações sobre a cor e executar obras extremamente originais.

Uma das suas obras mais célebres deste período intitula-se: "Felicidade da Vida"


Henri Matisse
"Felicidade da Vida" ou "A Alegria de Viver"
1905-1906
Óleo sobre tela - 241x175 cm
Merion,
Pensilvânia, Barnes Foundation


Escolhi este quadro de Matisse, para ilustrar este tempo de veraneio, do "dolce fare niente", do descanso e de felicidade, que os homens do centro e norte da Europa tanto apreciam para fazer férias. Como "invejam" e gostariam de ter esta luz mediterrânica! Mas não nos queiram mal por esta abençoada luz...

Na obra "Felicidade da Vida", Matisse recupera a utilização da paisagem pastoral, utilizando cores brilhantes (típicas dos fauvistas) e linhas serpenteadas (da Arte Nova).

Pinta dezasseis figuras numa paisagem idílica.
Estas personagens estão felizes.

Neste quadro sente-se a " nostalgia de um paraíso perdido onde não existem nem trabalho nem obrigações, nem vestuário nem tristeza. As personagens nuas sonham, dançam, tocam gaita, colhem flores, enlaçam-se ou, simplesmente, gozam a sua beleza e a beleza do mundo. A cor, sempre resplandecente, está desta vez repartida por vastos planos, apenas animados, aqui e ali, por certos acentos, como os traços que figuram a relva no primeiro plano.
Os ritmos são fortemente marcados por longas sinuosidades que indicam os troncos das árvores e as grandes massas das folhagens que se unem em abóbada por cima da cena, como pelo contorno dos corpos rodeados de linhas insistentes. Pela primeira vez, estas linhas do contorno das figuras afastam-se deliberadamente da verdade anatómica para se sujeitarem à organização geral do quadro, reagindo umas em relação  às outras. Não se pode omitir certo maneirismo para algumas figuras e peso para outras. Por fim, nota-se que vários rostos são sugeridos por uma simples oval, sem indicação de olhos, de nariz ou de boca, abreviação extrema a que Matisse recorrerá de novo no fim da sua carreira." *

O quadro " Felicidade da Vida" provocou sensação quando foi exposto pela primeira vez em público em 1906, e hoje como seria?  Que "pecado" haverá em os povos do Mediterrâneo aspirarem a ser felizes?

* Guichard-Meli, Jean - "Matisse", Editorial Verbo, Mem-Martins, 1983