... " Quero dormir e sonhar

um sonho que em cor me afogue:

verdes e azuis de Renoir

amarelos de Van Gogh." ...

António Gedeão
(1956)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Dadaísmo ou a arte do absurdo

Vivemos dias de incerteza e desesperança, de angústias e desigualdades, mas há que encontrar saídas e caminhos para o futuro.
Quantas vezes, ao longo da História, não existiram períodos semelhantes. Semelhantes, sim, mas não iguais, porque a mesma água não passa duas vezes por baixo da mesma ponte.
São períodos assim, como os que estamos a viver, que geram desilusões e uma vontade de desafiar as ideias convencionais.

E foi saltitando de reflexão em reflexão que "desaguei" no período conturbado da 1ª Guerra Mundial e no Dadaísmo. Não sei explicar esta associação de ideias, mas também não importa, não foi o Dadaísmo o movimento artístico do absurdo?


Tudo começou em 1916, no "Cabaret Voltaire", em Zurique, onde, em plena 1ª Guerra Mundial, um grupo de artistas emigrados, liderados por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp se insurgiram contra os valores artísticos e culturais daquela época e desafiaram o mundo desenfreado em que viviam.
" (...) O Dadaísmo deu aos artistas uma plataforma para contestarem os valores académicos e vanguardistas. Fundamentalmente anarquista, o Dadaísmo foi inicialmente uma reacção aos horrores da guerra e aos sistemas que a haviam causado.
A arte, poesia e espectáculos dadaístas não eram "organizados", nem coesos, mas uma expressão pessoal de raiva, sátira, crítica e negação." *

O Dadaísmo ocorreu entre 1916 e 1922 e mais do que um movimento, foi um fenómeno artístico que tinha uma atitude comum em relação ao fazer e ao pensar a arte. Confrontou o irracional e o absurdo com os valores burgueses ultrapassados. Fez tábua rasa de todas as convenções ideológicas, artísticas e políticas e pretendeu recriar uma estética e uma arte a partir de processos que pareciam ser destrutivos e autodestrutivos.
"Porém, a abolição da arte tão ambicionada pelos dadaístas não era tão simples como eles pensavam: a rebelião contra o conceito burguês de arte, que os dadaístas pretendiam com a sua anti-arte, só podia funcionar se os produtos e reproduções assim obtidas fossem tidos como "arte".
Se a categoria "arte" deixava de desempenhar uma função importante na avaliação dos trabalhos, as obras anti-artísticas perdiam a sua potencialidade provocante e por consequência a sua força explosiva." **

Os artistas dadaístas não tiveram um estilo uniforme, o que os unia era uma ideia de protesto contra os valores corruptos da sociedade burguesa, para eles responsáveis pelos horrores da guerra. Apesar de se viver este período trágico, o dadaísmo expandiu-se e teve uma rápida difusão internacional, de Zurique passou para Barcelona, Berlim, Colónia, Hanover, Nova Iorque e Paris.
Após o fim da Guerra, os jovens sentiam necessidade de exprimir a sua alegria por estarem vivos. era a vitória da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra.
Mais tarde, por volta de 1963, Tristan Tzara, um dos fundadores do dadaísmo, afirmou: " Dada não foi somente o absurdo, a sátira, Dada foi uma expressão muito  forte dos jovens, nascida durante a guerra de 1914. O que nós queríamos era fazer tábua rasa dos valores em curso, em proveito dos valores humanos mais altos".

Marcel Duchamp ( 1887-1968) foi talvez o artista que melhor conseguiu captar esta atitude iconoclasta, quando, em 1919, pegou numa reprodução da Mona Lisa e nela desenhou um bigode e uma barbicha e acrescentou uma legenda com cinco letras - L.H.O.O.Q. ("elle a chaud au cul" - ela tem o rabo quente)


Marcel Duchamp
"L.H.O.O.Q."
1919
Lápis sobre uma gravura de Mona Lisa de Leonardo da Vinci - 19,4x12,2 cm
Colecção privada



Também Francis Picabia (1879-1953) adoptou uma abordagem irreverente face às convenções sociais e artísticas. As suas obras centram-se na imagem da máquina como uma metáfora do carácter absurdo e desumano do mundo moderno, um exemplo é o quadro "Rapariga nascida sem mãe" (1916-18).




Mas foi na Alemanha que os artistas Dada adoptaram uma abordagem política mais aberta.
No quadro "Mutilados jogando às cartas", Otto Dix representou três homens a jogar às cartas num café da cidade.
Cada figura apresenta-se mutilada, substituindo-lhe os membros por próteses e desenhando-lhe as faces atadas e remendadas.


Otto Dix
"Mutilados jogando às cartas"
1920
Óleo sobre tela - 110x87 cm
Berlim, Nationalgalerie


Há nesta obra uma ligação muito explícita aos horríveis danos causados pela guerra.


O Dadaísmo pretendia obrigar as pessoas a pensarem e a mudarem de mentalidade.
O pintor francês Francis Picabia dizia que  " a cabeça é redonda, para que o pensamento possa ir mudando de direcção" e porventura nestes dias confusos que vivemos, precisávamos de fenómenos dadaístas.


* Newall, Diana - "Compreender a Arte" - Editorial Estampa, Lisboa, 2008
** Kraube, Anna-Carola - "História da Pintura - do Renascimento aos nossos dias" - Könemann, Colónia, 2001

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