... " Quero dormir e sonhar

um sonho que em cor me afogue:

verdes e azuis de Renoir

amarelos de Van Gogh." ...

António Gedeão
(1956)

terça-feira, 27 de março de 2012

Visitar o Museu de José Malhoa

Caldas da Rainha é uma terra de artes.
Um local a não perder, quando a visitamos, é o Museu de José Malhoa, situado no belíssimo Parque D. Carlos I.
Este Museu foi o primeiro edifício construído em Portugal a partir de um projecto para fins museológicos. Mas, se no início (1933), o objectivo era expor e preservar a obra pictórica de José Malhoa (1855-1933), "pintor da terra e das gentes portuguesas", cedo o ultrapassou e mostrou "outros artistas seus antecessores, contemporâneos, entrando pelas artes disciplinares da escultura e de cerâmica, esta última com grande tradição e importância nas Caldas." *


Museu de José Malhoa
Caldas da Rainha

Na organização do discurso expositivo deste Museu  a obra de José Malhoa, seu  patrono, ocupa um lugar central, dando-nos a conhecer este fantástico pintor português, que numa carta autobiográfica de 1890 escrevia:  " ... vim para Lisboa com uma perna quebrada aos 8 anos, e cursei preparatórios na Escola Académica. Entrei para a Escola de Belas Artes aos 12 anos, destinando-me a entalhador; tive no primeiro ano o primeiro prémio, o que levou o nosso grande artista Leandro de Sousa Braga à loja do qual me destinava e quem primeiro me encaminhou e animou nas minhas tentativas artistas, a dizer a meu irmão: ´homem, visto o rapaz mostrar disposição deixa-o continuar ...´. Isto é uma fase importante da minha vida, e disto dependeu eu ser hoje o que sou, pouco ou muito, como quiserem."

"Educado por seu irmão mais velho, Joaquim Malhoa, comerciante de modas, frequenta a Academia Real de Belas Artes, desde Outubro de 1876 até 1875. É aluno de Joaquim Prieto, José Maria Franco, Victor Bastos, Anunciação, Lupi e Simões de Almeida, obtendo, durante estes anos, várias distinções pelos seus trabalhos académicos.
Em 1874 e 1875, habilita-se aos concursos para pensionista do Estado no estrangeiro, não alcançando êxito em qualquer deles, uma vez que o primeiro foi anulado, sendo depois preterido no ano seguinte. É por esta data que decide abandonar a pintura e trabalhar na loja do irmão. Com efeito, segundo a carta citada, aí permaneceu três anos, mas apenas não pintou por um período de seis meses. De 1881 data o quadro "A Seara Invadida", clara influência da lição animalista de Tomaz da Anunciação, o qual, exposto em Madrid, obteve sucesso, motivando o regresso do artista à pintura.

Entre 1881 e 1889, integra o "Grupo do Leão", que, apoiado por Alberto de Oliveira (1861-1922), realiza oito exposições de "Quadros Modernos" (1881-1884) e "d`Arte Moderna" (1885-1889).
O Grupo do Leão, pioneiro do Naturalismo em Portugal por via dum paisagismo de ar livre de observação directa assume importância estruturante no percurso de Malhoa, que não tivera a oportunidade de desfrutar dum desejado pensionato no estrangeiro.
(...)
Malhoa paisagista revelar-se-á ao longo da sua carreira de artista em duas vertentes distintas e complementares: a paisagem pura, despovoada, exercício de pintura pelo prazer de pintar; e a paisagem como suporte do humano, enquadramento natural e testemunha de costumes e vivências." *


José Malhoa
"As Promessas"
1933
Óleo sobre madeira - 59x72 cm
O quadro "As Promessas" exemplifica como Malhoa fixou, através da pintura, os costumes e as vivências do povo português, nos finais do século XIX e princípio do século XX.

""As Promessas" (1933) são um quadro a óleo que de algum modo constituí a síntese e o corolário da pintura do artista, seja pelo domínio técnico alcançado, seja pela abordagem aos valores da luz e da cor na sua crueza e alacridade, seja essencialmente pelo tratamento dos motivos das vivências populares.
Nesta tábua, para a qual, em 1827, fizera um excepcional estudo a pastel, o pintor reúne, num momento único de tempo de festa do calendário rural, num conjunto de temáticas que desenvolveu ao longo da sua pintura de costumes. Aqui temos a festa religiosa, a que não faltam os signos da fé. mas também todo um enquadramento pagão, que diríamos saído de muitos quadros de Malhoa.
E nos longes, o apontamento da paisagem em montes azulados pela distância.
Síntese, afinal, da pintura de Malhoa, do seu discurso de alegrias e dores, plena dos contrastes lumínicos e da presença do colorido intenso dos trajes das mulheres, tudo suportado pela irregularidade seca dum terreno ocre, sob um céu límpido estival. Revelando-se uma obra fundamental no que encerra de corolário de todo o percurso artístico, servido pela excelente técnica dum grande pintor." *
* Roteiro do Museu de JOSÉ MALHOA
   Instituto Português de Museus, Lisboa, 2005

quinta-feira, 15 de março de 2012

Revisitando "Olympia" de Manet

Pretendendo revisitar "Olympia" caminhamos ao longo da margem esquerda do Sena, cortamos para a Rue de Lille e entramos no Museu de Orsay, Paris.
E aí está ela desafiadora, a olhar-nos de modo insolente e seguro.



Édouard Manet
"Olympia"
1863
Óleo sobre tela - 130,5x190 cm
Museu de Orsay, Paris


Ó escândalo, dos escândalos, Édouard Manet pintou um nu feminino, mas bem real, nada idealizado ou escondido atrás de uma deusa ou figura mitológica.

A partir da segunda metade do século XIX, a simples prostituta diferencia-se da cortesã,  porque esta tem um relacionamento com o cliente num ambiente de intimidade e sedução, fingindo honestidade.

Ora "Olympia" não é cínica, assume a sua sexualidade, através de uma profissão reconhecível, revela o seu desejo olhando directamente para o observador.
O próprio título "Olympia" era o "nome  artístico" escolhido por muitas prostitutas da época.

Manet serviu-se de Victorine Meurent, modelo profissional, para dar corpo à personagem representada.
Pinta-a transportando-a para a contemporaneidade através do uso de adereços da época, como uma pulseira e pérolas no pescoço e nas orelhas.
Enfeita-lhe o cabelo com uma orquídea, referência ao sexo, já que está associada a poderes afrodisíacos.
No pé coloca-lhe uma chinela, que parece oscilar, a outra está caída (nas pinturas alegóricas, o chinelo caído simboliza a inocência perdida).
Aos pés de "Olympia", Manet não deitou um cachorrinho sonolento, como era usual,  mas pintou um gato preto de olhos bem abertos, simbolizando a ambiguidade e a inquietude desta representação.
Do fundo negro do quadro sai uma criada negra que traz um ramo de flores - talvez seja o presente de um admirador anterior - o que sugere os prazeres oferecidos.
"Olympia" nem dá conta da sua presença, está concentrada na espera do cliente seguinte, olha-o de frente, provocadoramente.

E após esta visita, abandonamos o Museu de Orsay,  deixando "Olympia" neste jogo sedutor com o próximo observador.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Desafios ... Resposta: Édouard Manet

Resposta ao desafio anterior:
Autor - Édouard Manet
Obra - "Olympia"


Édouard Manet (1832-1883) pintou o quadro "Olympia" em 1863 e apresentou-o ao grande Júri do Salon oficial de Paris em 1865, tendo sido recusado, como muitos outros, devido à dureza dos critérios de selecção.
Este quadro provocou um grande escândalo tanto entre a crítica como entre o grande público, porque Manet apresentou uma obra totalmente nova, embora respeitando a composição clássica.

Édouard Manet estudou com paixão a arte do passado e foi buscar às obras "A Vénus Adormecida" e "A Vénus de Urbino"  de Giorgione e Ticiano respectivamente, inspiração para pintar "Olympia".


Giorgione
"A Vénus Adormecida"
1508 - 1510
Óleo sobre tela - 108,5x175 cm
Gemäldegalerie, Dresden


Ticiano
"A Vénus de Urbino"
1538
Óleo sobre tela - 119x165 cm
Galleria degli Uffizi , Florença 

Então quais as causas de tanto escândalo  à volta da obra "Olympia"?

"Olympia" foi encarada como uma paródia grosseira de um tema respeitado.
Ao olhar para esta obra era evidente para todos que a mulher representada não era uma deusa, mas uma prostituta.
Manet pintou um tema clássico, mas deu-lhe uma vertente mais moderna e profana ao substituir os deuses e as figuras mitológicas por personagens da sua época.

"As pinturas iniciais (de Manet) (...) combinam temas modernos e derivações autoconscientes das obras dos Velhos Mestres com pinceladas aciduladas, contrastes acentuados e justaposições estranhas, colocando a imagística realista em face dos prazeres estéticos formais de modo inteiramente novo. Não é de estranhar o facto de estas obras terem chocado muito os seus observadores, pois a incongruência do seu método e o seu tom sério transmitem alguma perplexidade". *

O desejo de pintar com uma técnica arrojada fez de Manet um modelo para os jovens artistas impressionistas, mas ao contrário destes, continuou a acreditar na prática da pintura de atelier, seguindo as teorias tradicionais como o desenho, os esboços e as composições cuidadosamente planeadas, não podendo, por isso, ser considerado um impressionista no verdadeiro sentido da palavra.

* Kemp, Martin - História da Arte no Ocidente - Ed. Verbo, Lisboa, 2000 (pág. 308)