Fala-nos esse texto da "última lição" do filósofo José Gil que ao aposentar-se quis discorrer sobre a génese da linguagem artística e escolheu para tal, a obra do pintor Malevitch: "Quadrado Negro sobre Fundo Branco".

José Gil falou para um auditório cheio, "... a rebentar pelas costuras..." como escreveu José Mário Silva e "... explicou logo a abrir que o ofício de "pensar" e de "escrever" é daqueles que não acaba mais".
"Como é que se forma uma linguagem artística se na obra de arte não se pode "isolar uma unidade discreta" e articulá-la com outras unidades autónomas (que é o que acontece na linguagem verbal)?
Eis o ponto de partida para a conferência, na qual José Gil analisa em detalhe um exemplo concreto: a criação da linguagem suprematista de Kazimir Malevitch.
Até 1915, o pintor russo afastara-se progressivamente das formas tradicionais de mimetismo, mas é naquele ano que se dá a crise definitiva, quando pinta o célebre "Quadrado Negro sobre Fundo Branco", que representa apenas o que o título indica: um quadrado negro sobre fundo branco.

"Quadrado Negro sobre Fundo Branco"
Diz a lenda que Malevitch ficou num estado de perturbação total: durante uma semana, não conseguiu comer, beber ou dormir. O pintor acreditava que a representação figurativa trazia para o quadro "qualquer coisa do referente", pelo que o acto de "apagar a representação" implicava "apagar também o referente".
Se o quadrado preto nega a possibilidade de representação, fica em causa a própria possibilidade da pintura. A não ser que esta se transforme noutra coisa. E foi isso o que Malevitch fez, ao criar uma nova linguagem "a partir deste quadrado que começa por ser uma espécie de buraco negro que engole e absorve todas as formas da natureza".
A nova linguagem surge por um processo de reversão: "Ao vir à tona, ao vir à superfície, o quadrado negro reverte-se, há uma reversão de superfícies, como uma luva que se volta ao contrário e o avesso passa a direito e o preto passa a branco".
O branco do "nada libertado", abismo plano onde as figuras se dissolvem, transformadas já não em representações de objectos da realidade concreta mas em abstractas "sensações picturais", a que correspondem forças em vez de formas".
Ao terminar a sua "última lição" José Gil "... aponta alguns problemas que o pensamento filosófico ainda pode trabalhar. O tal novo começo, que implica a consciência de que "não é possível pensar sem pensar livremente e sem risco".
Sem qualquer pretensão da minha parte, o que quis reflectir, no post anterior sobre "Quadrado Negro sobre Fundo Negro", foi sobre o pensamento livre, sem amarras, nem sujeição.

K. Malevitch
"Quadrado Vermelho e Quadrado Negro"
1915
Museu de Arte Moderna, Nova Iorque
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