terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Criança e a Arte

O mundo infantil é cheio de espontaneidade, imaginação, alegria e sonho ...
Que melhor do que a Arte para dar asas a esse mundo de "futuro"?
Nas mãos de uma criança uma folha branca, cheia de garatujas, é um universo de magia, uma explosão de alegria. Da garatuja desordenada ao desenho esquemático a criança desperta para o mundo.

É interessante notar como desenhos infantis podem ganhar preponderância num quadro, de modo a fazer do seu pequeno criador um verdadeiro artista.

 
Giovanni Francesco Caroto
"Rapaz com um desenho"
c. 1523
Óleo sobre madeira - 37x29 cm
Museu di Castelvecchio, Verona
 
 
 
Henrique Pousão
"Esperando o Sucesso"
1882
Óleo sobre tela - 131,5x83,5 cm
Museu Nacional Soares dos Reis, Porto
 
 
 
Estes dois quadros são exemplos em que o pintor, além de pintar o seu pequeno modelo, faz dele um verdadeiro artista, mostrando-o orgulhoso da sua obra.
 
São dois quadros  separados por alguns séculos, mas em que os pintores souberam captar a espontaneidade, a alegria e imaginação da arte infantil.
 
No quadro de Giovanni Francesco Caroto (c. 1480-1546) surge uma criança, de quem nada sabemos, é apenas uma criança ...
Este jovem rapazinho olha para o observador e mostra o seu desenho, com um sorriso alegre e malicioso, competindo com o próprio pintor. A representação parece um auto-retrato e a sua expressão de alegria demonstra como está satisfeito com a sua obra.
 
 
 
Também no quadro de Henrique Pousão (1859-1884) o pequeno modelo se torna artista.
O quadro mostra o interior de um atelier: as telas estão arrumadas ao fundo, à esquerda, sobre o pavimento repousam o caixote dos pincéis, a caixa das tintas e a paleta. No centro do quadro vemos o cavalete com um esboço desenhado do jovem modelo; a dada altura (talvez numa pausa da sessão) a criança salta para primeiro plano e mostra com ar travesso a sua garatuja, como quem diz: "também sou um artista !..."
Henrique Pousão valorizou o desenho do jovem modelo, iluminando o pedaço de papel onde aparece a sua "obra de arte".
 


 

 
A função da Arte na educação foi sendo relegada para um plano secundário, atendendo a que os decisores lhe atribuiram  sempre  um papel menorizado em relação às ciências ligadas ao conceito cognitivo. No entanto, sabe-se que as Artes não são matérias em que a criança descansa nas pausas do saber cognitivo, elas têm um papel primordial na formação integral do indivíduo.
  


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Observando um Quadro ... de Jacques-Louis David - nº 24

 
 
 
Não se consegue compreender o quadro "O Juramento dos Horácios" de Jacques-Louis David sem os ventos de mudança da Revolução Francesa, por isso, nos posts anteriores tentei contextualizar esta obra.
 
Jacques-Louis David, através deste quadro, exortou os franceses a jurar fidelidade aos valores éticos: recusa do luxo, disciplina, sacrifício, empenho pessoal, responsabilidade civil, patriotismo ...  para derrubarem o "ancien régime" e , por isso,  tornou-se rapidamente o principal representante do "Classicismo revolucionário".
 
Jacques- Louis David
"O Juramento dos Horácios"
1784/85
Óleo sobre tela - 330x425 cm
Museu do Louvre Paris
 
 
Ao observarmos este quadro o nosso olhar é encaminhado para as mãos do pai, que seguram as espadas dos trigémeos Horácios. É para aí que confluem todas as linhas de fuga. Jacques-Louis David quis com esta composição colocar no centro da obra o símbolo do juramento de fidelidade a Roma.
 



A cena decorre num pátio pavimentado, tendo ao fundo três arcos sustentados por colunas austeras e robustas ao estilo toscano. A cada arcada fez corresponder um grupo compositivo: no arco da esquerda - os trigémeos Horácios; no central - o pai segurando as espadas; no da direita - as mulheres e as crianças.

Obra cheia de dramatismo e teatralidade, conseguidos através da atitude  das personagens e do uso do claro escuro. A luz entra pela esquerda, projectando  as sombras dos guerreiros e do pai sobre as mulheres. As personagens sobressaem sobre a escuridão do fundo dos arcos dando um matiz intenso e dramático ao quadro.

Os guerreiros:




O grupo da esquerda é formado pelos trigémeos.
Guerreiros, viris, dispostos em paralelo segundo a técnica do relevo romano.
Estas personagens assemelham-se as estátuas, usam trajes de combate  e estendem o braço direito, com a palma da mão voltada para baixo, em direcção às espadas, num juramento de fidelidade.




O pai:





Situado no centro da acção, para ele convergem todas as atenções. Segura as espadas, levantando-as ao alto e perante as quais é feito o juramento dos irmãos Horácios que põem a sua vida à disposição de Roma.
O pai veste uma túnica vermelha que realça a intensidade do juramento, pois subentende-se que muito em breve, no combate, será derramado sangue.


As mulheres:




Este pormenor pode ser considerado um quadro dentro do quadro, nele aparecem três mulheres sentadas,  desoladas, abatidas, contrastando claramente com a atitude enérgica dos homens.
Colocadas atrás da cena masculina, num ambiente mais recolhido e privado, demonstrando que ao homem está reservado o espaço público e às mulheres o privado.
As cores utilizadas nesta parte do quadro não são tão brilhantes, nela predominam  o branco do vestido de Camila Horácio, irmã dos trigémeos Horácios, o ocre, o cinzento e o castanho de Sabina Curiácio, esposa de um dos Horácios e o azul cinza das vestes de uma aia, que protege os filhos de Sabina. Neste conjunto a única cor mais viva é o verde do turbante de Camila.
 
 
 
 
 
 
 
As personagens:
 

As personagens apresentam-se com grande teatralidade, de um lado os homens de contornos rígidos e rectilíneos, numa atitude enérgica e militar, demonstrando virilidade. Os trigémeos e o pai apresentam-se da mesma altura, formando o seu conjunto um rectângulo, enquanto que as pernas dos irmãos e do pai formam triângulos.
 
 
 
 
 
 Do outro lado estão as mulheres em posições nada rígidas. Sentadas, desesperadas, abatidas face aos futuros acontecimentos históricos. Neste apontamento do quadro predominam as linhas curvas.

Uma das características da pintura neoclássica  é a diferenciação do espaço masculino do feminino. Aos homens está reservado o espaço público, a guerra e o trabalho, às mulheres o espaço privado, a intimidade, as tarefas domésticas e chorar os mortos.
 
 
 
 
 
É de referir a constância do número três nesta obra.
 
 
Ao fundo, no cenário, vemos três arcos, que dividem o quadro em três zonas: a dos irmãos , à esquerda, a do pai, ao centro e a das mulheres e das crianças, à direita. Além dos arcos, são também três  espadas, três irmãos, três mulheres...
 
Está patente, neste quadro,  uma tragédia em três actos assinalados pelas personagens  que sobressaem dos três arcos da arquitectura de fundo.
 
Primeiro acto - declaração de guerra dos irmãos Horácios;
Segundo acto - juramento de fidelidade a Roma perante o pai que eleva as espadas;
Terceiro acto - desespero das mulheres.
 
    
Esta obra foi encomendada pelo rei Luis XVI .
Jacques-Louis David executou-a em 1784/85 e foi exposta pela primeira vez em 1785. Pintada poucos anos antes da Revolução Francesa rapidamente é assimilada pelos revolucionários como um apelo muito claro à virtude cívica.
 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O Juramento dos Horácios

Horácios e Curiácios

Verdadeira ou lendária a luta entre Horácios e Curiácios foi registada, no século I a. C., pelo escritor latino Tito Lívio na obra "Ab Urbe Condita" e séculos mais tarde recuperada pelo dramaturgo francês Pierre Corneille (1606-1684) na tragédia "Horace".


O pintor Jacques-Louis David pensou certamente neste episódio da História de Roma, quando escolheu para a sua obra "O Juramento dos Horácios" o momento em que os irmãos Horácios juram, perante o seu pai, a sua lealdade a Roma.



 
 
Temas como este, ligados à Antiguidade Clássica, foram tratados com frequência no século XVIII, principalmente no período da Revolução Francesa, pois foi aí que encontraram o modelo para uma nova sociedade revolucionária e republicana.
 
 
O episódio que esteve na base do tema deste quadro remonta a uma época muito remota.


E a história aconteceu há muitos anos.
Há tantos, que temos de recuar ao ano de 669 a. C. , quando no reinado de Tullus Hostilius, deflagrou uma guerra entre Roma e Alba Longa para disputarem o domínio da Itália Central.
Decidiu-se então, para evitar o derramamento de muito sangue e para salvar vidas de ambas as cidades, que a disputa se resolveria num combate mortal entre três irmãos romanos - os Horácios, e três irmãos albanos - os Curiácios, cujas famílias tinham relações familiares muito próximas.
Da luta travada entre os dois grupos resultou a morte de dois irmãos Horácios. Os albanos festejavam já a vitória, quando o terceiro romano, Publius Horacius fingiu fugir. 
Partem, então, os Curiácios em sua perseguição, decidindo a dada altura separar-se, seguindo um para cada lado, no encalce do adversário.
O astuto Publius Horacius conseguiu ludibriá-los, voltando para trás surprendendo-os quando estavam separados. Apanhando-os sós, eliminou-os um de cada vez.
Volta a Roma, atravessa as portas da cidade em triunfo, entre a aclamação do povo, mas ao chegar à praça principal encontra, entre a população, a sua  irmã Camila, que tinha ficado noiva de um dos irmãos Curiácios. Esta ao reconhecer o manto que o irmão trazia aos ombros, como sendo um que ela tinha feito para o seu amado, apercebeu-se da terrível verdade e começa a chorar.
Publius Horacius enfurece-se por a irmã derramar lágrimas por um inimigo, precisamente no momento em que comemorava a vitória de Roma. Então, de imediato desembainha a espada e mata-a, exclamando: "Assim morra todo aquele que chora um inimigo de Roma!".



As acções dos Horácios tornaram-se um símbolo do patriotismo romano, segundo o qual o Estado estava acima do indivíduo.
Jacques-Louis David pretendeu mostrar com a obra "O Juramento dos Horácios" que o cumprimento do dever está acima de qualquer sentimento pessoal, tal como o fizeram os três irmãos Horácios que juraram derrotar os inimigos ou morrer por Roma.
"A obra mostra uma cena da história romana, onde os cidadãos republicanos, na qualidade de homens livres, pegam em armas para decidirem eles o destino do Estado. Neste caso não são portanto reis ou condes que tomam as decisões, mas sim cidadãos que se empenham responsavelmente pelo bem da nação. Pouco antes da Revolução Francesa, um quadro deste tipo, só podia parecer uma revelação.
Os contemporâneos não tardaram a louvá-lo como sendo "o quadro mais belo do século". *

*Kraube, Anna-Carola - História da Pintura do Renascimento aos nossos dias, Colónia, Könemann, 2001