Voltando ao quadro "Quadrado Negro sobre Fundo Branco" de Kazimir Malevitch vou transcrever alguns extractos do texto de José Mário Silva publicado num suplemento do Semanário Expresso de 15 de Janeiro de 2011.
Fala-nos esse texto da "última lição" do filósofo José Gil que ao aposentar-se quis discorrer sobre a génese da linguagem artística e escolheu para tal, a obra do pintor Malevitch: "Quadrado Negro sobre Fundo Branco".
José Gil
José Gil falou para um auditório cheio, "... a rebentar pelas costuras..." como escreveu José Mário Silva e "... explicou logo a abrir que o ofício de "pensar" e de "escrever" é daqueles que não acaba mais".
"Como é que se forma uma linguagem artística se na obra de arte não se pode "isolar uma unidade discreta" e articulá-la com outras unidades autónomas (que é o que acontece na linguagem verbal)?
Eis o ponto de partida para a conferência, na qual José Gil analisa em detalhe um exemplo concreto: a criação da linguagem suprematista de Kazimir Malevitch.
Até 1915, o pintor russo afastara-se progressivamente das formas tradicionais de mimetismo, mas é naquele ano que se dá a crise definitiva, quando pinta o célebre "Quadrado Negro sobre Fundo Branco", que representa apenas o que o título indica: um quadrado negro sobre fundo branco.
"Quadrado Negro sobre Fundo Branco"
Diz a lenda que Malevitch ficou num estado de perturbação total: durante uma semana, não conseguiu comer, beber ou dormir. O pintor acreditava que a representação figurativa trazia para o quadro "qualquer coisa do referente", pelo que o acto de "apagar a representação" implicava "apagar também o referente".
Se o quadrado preto nega a possibilidade de representação, fica em causa a própria possibilidade da pintura. A não ser que esta se transforme noutra coisa. E foi isso o que Malevitch fez, ao criar uma nova linguagem "a partir deste quadrado que começa por ser uma espécie de buraco negro que engole e absorve todas as formas da natureza".
A nova linguagem surge por um processo de reversão: "Ao vir à tona, ao vir à superfície, o quadrado negro reverte-se, há uma reversão de superfícies, como uma luva que se volta ao contrário e o avesso passa a direito e o preto passa a branco".
O branco do "nada libertado", abismo plano onde as figuras se dissolvem, transformadas já não em representações de objectos da realidade concreta mas em abstractas "sensações picturais", a que correspondem forças em vez de formas".
Ao terminar a sua "última lição" José Gil "... aponta alguns problemas que o pensamento filosófico ainda pode trabalhar. O tal novo começo, que implica a consciência de que "não é possível pensar sem pensar livremente e sem risco".
Sem qualquer pretensão da minha parte, o que quis reflectir, no post anterior sobre "Quadrado Negro sobre Fundo Negro", foi sobre o pensamento livre, sem amarras, nem sujeição.
K. Malevitch
"Quadrado Vermelho e Quadrado Negro"
1915
Museu de Arte Moderna, Nova Iorque
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