Voltar aos auto-retratos de Van Gogh é um privilégio para mim ... escrever sobre este pintor genial, que assinava os seus quadros com um simples nome próprio: Vincent, emociona-me...
Da pesquisa que fui fazendo apercebi-me que por detrás de uma obra excepcional está um homem íntegro, cheio de "bondade e compaixão" como escreveu o pintor Bernard, "um homem honesto ..." como recordou, no seu funeral, o médico que o acompanhava, o Dr. Gachet. Mas Van Gogh foi também um homem sofredor, acometido de terríveis medos e ansiedades.
Numa, das muitas cartas, que dirigiu ao seu irmão Theo afirmou: "Estou, uma vez mais, próximo da (...) loucura (...). Se não tivesse uma espécie de dupla personalidade, uma de monge e outra de pintor, já me encontrava há muito no estado que referi".
Seis meses após escrever esta carta aceitou esse estado de loucura entrando para um mosteiro: o de Saint-Paul-de-Mausole, um hospício em Saint-Rémy, mantendo, no entanto, a sua vida artística intacta.
Em Saint-Rémy ,Van Gogh continuou a pintar, são deste período os auto-retratos que coloco neste post.
Van Gogh
"Auto-Retrato"
Óleo sobre tela - 57x43,5cm
Saint-Rémy, fins de Agosto de 1889
Nova Iorque
Colecção Mrs. Jonh Hay Whitney
Mais uma vez se representa com a cabeça muito magra.
Neste auto-retrato estão evidentes sinais dos conflitos interiores. Agora o seu rosto aparece mais pálido do que o habitual, de um verde amarelado, descorado, mostrando com fidelidade o seu aspecto.
É de realçar que Van Gogh se faz acompanhar neste quadro, dos seus atributos de artista (pincéis e paleta) para nos revelar a sua profissão, auto-afirmando-se como artista.
Neste auto-retrato,os seus olhos fogem dos nossos, há alguma cautela, mesmo resistência em nos olhar nos olhos.
O olhar do artista não está voltado para o exterior, mas para o seu interior, olhando o seu mundo imaginário.
Van Gogh
"Auto-Retrato"
Óleo sobre tela - 65x54cm
Saint-Rémy, Setembro de 1889
Paris, Museu d'Orsay
Depois de deixar o hospital para doentes mentais, em Saint-Rémy-de-Provence, pintou um auto-retrato em que a cor escolhida reflecte o seu estado emocional, a luta que está a travar com os seus próprios demónios.
O rosto surge carrancudo, quase zangado. À volta do nariz e das maçãs do rosto há rugas bem vincadas. As sobrancelhas são grossas e salientes, os cantos da boca aparecem voltados para baixo.
O ritmo das suas pinceladas através de linhas serpenteadas em forma de remoinho (uma das características de algumas das suas obras) aparece no rosto e nas roupas, expandindo-se com grande agitação no fundo azul-gelo.
Os azuis frios e verdes contrastam com o cabelo e a barba em tom vermelho. É este contraste que dá o tom psicológico ao quadro.
O seu rosto demonstra que passou por vários perigos e muita tormenta psicológica.
Van Gogh
"Auto-Retrato"
Óleo sobre tela - 51x45cm
Saint-Rémy, Setembro de 1889
Oslo, Nasjonalgalleriet
Este é o auto-retrato mais desfigurado, cruel e impiedoso de todos os que pintou. O seu rosto é semelhante ao dos camponeses que pintou no início. Nele regressa ao uso de camadas espessas de tinta de cor terra barrenta. Neste quadro não há cores brilhantes, pelo contrário, há falta de luz.
Van Gogh apresenta-se com a orelha mutilada e no rosto com um ar quase ameaçador.
O artista parece rejeitar a sua própria imagem como motivo a retratar.
O fim aproxima-se ...
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
sábado, 23 de outubro de 2010
Retrato (s)... Auto-Retratos de Van Gogh - III
No post de hoje vou continuar a analisar alguns auto-retratos de Van Gogh realizados durante o período que viveu em Arles.
A partir de Fevereiro de 1888, Van Gogh foi viver para Arles, aí executou "pinturas extraordinariamente impetuosas e intensas", como escreveu Signac, em 1894, no seu diário.
Durante aproximadamente nove meses, Van Gogh viveu, em Arles, uma felicidade que se consegue vislumbrar nas suas obras.
Mais tarde escreveria: "Ainda me lembro claramente da excitação que senti naquele Inverno, ao viajar de Paris para Arles. De como estava constantemente em alerta para ver se já tínhamos conseguido chegar ao Japão."
Segundo Rainer Metzger e Ingo F. Walther - (Taschen - 1996- pág.98) "Van Gogh procurava encontrar o Japão no Sul. (...) Os meses que precederam a sua depressão foram preenchidos pela concepção imaginada de um mundo melhor prometido pelo Japão: Van Gogh procurava chegar a uma utopia, pintando-a como forma de a tentar transformar em realidade concreta."
Van Gogh
Auto-Retrato
(Dedicado a Paul Gauguin)
Óleo sobre tela - 62x52cm
Arles, Setembro de 1888
Cambridge (MA), Fogg Art Museum,
Harvard University
Agora retrata-se com a cabeça magra e o cabelo rapado. Na face angulosa sobressaem as maçãs do rosto.
Neste Auto-Retrato, dedicado ao seu amigo Paul Gauguin, Van Gogh aparece quase como um monge japonês.
O pintor procura parecer o mais oriental possível, com uma expressão muita tranquila, quase transcendente.
Em Outubro de 1888, Gauguin acede aos repetidos pedidos de Van Gogh e vem viver para Arles, no entanto, a harmonia entre os dois é breve. No período de dois meses os desentendimentos e as discussões sucedem-se, levando a uma deterioração do seu relacionamento.
A 23 de Dezembro, depois de uma discussão, Van Gogh andou perdido pela cidade de Arles, até decidir cortar o lóbulo da sua orelha esquerda. Depois foi para casa , onde a polícia o encontrou a tempo de o levar para o hospital.
Após o seu regresso a casa rapidamente se dedicou à pintura, executando dois auto-retratos.
Este é um desses auto-retratos.
Van Gogh
Auto-Retrato com Orelha Ligada
Óleo sobre tela - 60x49cm
Arles, Janeiro de 1889
Londres, Courtauld Institute Galleries
Neste Auto-Retrato com Orelha Ligada, pinta-se com um grande casaco verde através de longas pinceladas. O barrete, o cavalete e a parede, com uma gravura japonesa, mostram pinceladas mais curtas e nervosas. Alguns contornos foram fortemente realçados, separando as cores.
Na face além do verde, violeta, branco e amarelo utilizados, usa também pinceladas laranja e vermelhas de modo a dar algum "calor" à imagem que, no geral, é fria.
A ligadura, a camisa e a tela dão luz ao quadro através do uso de um branco lívido.
Neste quadro Van Gogh usou os dois pontos de cor quase ao mesmo nível, no rosto e na gravura japonesa, que aparecem lado a lado. Quereria transmitir a importância que as gravuras japonesas tiveram como fonte de inspiração na sua arte?
Mas os medos e os demónios interiores não deixam Van Gogh descansar, até que foi internado no asilo de Saint-Rémy-de-Provence ...
A partir de Fevereiro de 1888, Van Gogh foi viver para Arles, aí executou "pinturas extraordinariamente impetuosas e intensas", como escreveu Signac, em 1894, no seu diário.
Durante aproximadamente nove meses, Van Gogh viveu, em Arles, uma felicidade que se consegue vislumbrar nas suas obras.
Mais tarde escreveria: "Ainda me lembro claramente da excitação que senti naquele Inverno, ao viajar de Paris para Arles. De como estava constantemente em alerta para ver se já tínhamos conseguido chegar ao Japão."
Segundo Rainer Metzger e Ingo F. Walther - (Taschen - 1996- pág.98) "Van Gogh procurava encontrar o Japão no Sul. (...) Os meses que precederam a sua depressão foram preenchidos pela concepção imaginada de um mundo melhor prometido pelo Japão: Van Gogh procurava chegar a uma utopia, pintando-a como forma de a tentar transformar em realidade concreta."
Van Gogh
Auto-Retrato
(Dedicado a Paul Gauguin)
Óleo sobre tela - 62x52cm
Arles, Setembro de 1888
Cambridge (MA), Fogg Art Museum,
Harvard University
Agora retrata-se com a cabeça magra e o cabelo rapado. Na face angulosa sobressaem as maçãs do rosto.
Neste Auto-Retrato, dedicado ao seu amigo Paul Gauguin, Van Gogh aparece quase como um monge japonês.
O pintor procura parecer o mais oriental possível, com uma expressão muita tranquila, quase transcendente.
Em Outubro de 1888, Gauguin acede aos repetidos pedidos de Van Gogh e vem viver para Arles, no entanto, a harmonia entre os dois é breve. No período de dois meses os desentendimentos e as discussões sucedem-se, levando a uma deterioração do seu relacionamento.
A 23 de Dezembro, depois de uma discussão, Van Gogh andou perdido pela cidade de Arles, até decidir cortar o lóbulo da sua orelha esquerda. Depois foi para casa , onde a polícia o encontrou a tempo de o levar para o hospital.
Após o seu regresso a casa rapidamente se dedicou à pintura, executando dois auto-retratos.
Este é um desses auto-retratos.
Van Gogh
Auto-Retrato com Orelha Ligada
Óleo sobre tela - 60x49cm
Arles, Janeiro de 1889
Londres, Courtauld Institute Galleries
Neste Auto-Retrato com Orelha Ligada, pinta-se com um grande casaco verde através de longas pinceladas. O barrete, o cavalete e a parede, com uma gravura japonesa, mostram pinceladas mais curtas e nervosas. Alguns contornos foram fortemente realçados, separando as cores.
Na face além do verde, violeta, branco e amarelo utilizados, usa também pinceladas laranja e vermelhas de modo a dar algum "calor" à imagem que, no geral, é fria.
A ligadura, a camisa e a tela dão luz ao quadro através do uso de um branco lívido.
Neste quadro Van Gogh usou os dois pontos de cor quase ao mesmo nível, no rosto e na gravura japonesa, que aparecem lado a lado. Quereria transmitir a importância que as gravuras japonesas tiveram como fonte de inspiração na sua arte?
Mas os medos e os demónios interiores não deixam Van Gogh descansar, até que foi internado no asilo de Saint-Rémy-de-Provence ...
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Exposição de Pintura de Eva Afonso
sábado, 9 de outubro de 2010
Exposição de Pintura de Eva Afonso
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Retrato (s) ... Auto-Retratos de Van Gogh - II
O que é prometido é devido e cá estou para escrever sobre alguns dos muitos auto-retratos de Van Gogh. Vou seguir a ordem cronológica para podermos apreciar as mudanças ocorridas na obra deste artista, tanto a nível da técnica pictórica como do seu estado psicológico.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Cachimbo"
Óleo sobre tela - 46x38cm
Paris, Primavera de 1886
Amesterdão, Museu Van Gogh
Este é um auto-retrato típico das suas primeiras pinturas.
Pintado em tons terra escuros, criando uma imagem de dignidade. Nele encontramos influência da pintura holandesa.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Chapéu de Feltro Cinzento"
Óleo sobre cartolina - 41x32cm
Paris, Inverno 1886/1887
Amesterdão, Museu Stedeliijk
(empréstimo do Museu Van Gogh)
Este auto-retrato de Van Gogh mostra já a influência dos impressionistas, através do uso da cor e da pincelada.
Neste quadro utilizou ainda a mistura anterior de castanhos e cinzas à qual juntou pinceladas de cores puras - aumentando a vitalidade da cor.
É de realçar o vigor da pincelada, transmitindo deste modo o contraste entre a aspereza do casaco e a suavidade do chapéu de feltro.
Van Gogh
"Auto-Retrato"
Óleo sobre cartolina - 42x33,7cm
Paris, Primavera de 1887
Chicago, Instituto de Arte de Chicago
Observando este quadro, podemos verificar a influência que Van Gogh sofreu de Georges Seurat (pontilhismo).
Mas Van Gogh foi mais longe e ultrapassou a simples técnica de pequenos pontos de cor que se fundem quando vistos à distância. Van Gogh mostrou, neste auto-retrato todo o seu génio no poder expressivo da cor, usando os salpicos de cor no tecido do casaco e no fundo, mas não no rosto.
Van Gogh nunca aderiu inteiramente a uma tendência. Experimentava as coisas e ia buscar aquilo que se adaptava ao seu reportório artístico.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Chapéu de Palha"
Óleo sobre tela - 40,5x32,5cm
Paris, Verão de 1887
Amesterdão, Museu Van Gogh
Este auto-retrato, segundo Rainer Metzger e Ingo F. Walther, "contém uma alegre e estival abundância de amarelos na camisa, rosto, chapéu e até no fundo. Algumas pinceladas violeta cuidadosamente dispostas acrescentam uma subtil nota contrastante. É só na cor de ginja na barba que Van Gogh ainda mantém o princípio da cor local; mas mesmo aqui o vermelho é usado demasiado esporadicamente para ser qualificado como descritivo.
O rosto familiar do artista tornou-se um retrato de experiência visual. Os traços básicos do seu rosto foram naturalmente mantidos e a mistura singular de Van Gogh de timidez e severidade rapidamente se identifica."
E por hoje propositadamente interrompo a observação de alguns auto-retratos de Van Gogh, pois na última fase da vida deste artista a abordagem que faz da sua própria imagem tem características diferentes (pelo menos a nível visual, pois a sua decadência psicológica está presente).
Voltarei em breve para escrever sobre este pintor genial.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Cachimbo"
Óleo sobre tela - 46x38cm
Paris, Primavera de 1886
Amesterdão, Museu Van Gogh
Este é um auto-retrato típico das suas primeiras pinturas.
Pintado em tons terra escuros, criando uma imagem de dignidade. Nele encontramos influência da pintura holandesa.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Chapéu de Feltro Cinzento"
Óleo sobre cartolina - 41x32cm
Paris, Inverno 1886/1887
Amesterdão, Museu Stedeliijk
(empréstimo do Museu Van Gogh)
Este auto-retrato de Van Gogh mostra já a influência dos impressionistas, através do uso da cor e da pincelada.
Neste quadro utilizou ainda a mistura anterior de castanhos e cinzas à qual juntou pinceladas de cores puras - aumentando a vitalidade da cor.
É de realçar o vigor da pincelada, transmitindo deste modo o contraste entre a aspereza do casaco e a suavidade do chapéu de feltro.
Van Gogh
"Auto-Retrato"
Óleo sobre cartolina - 42x33,7cm
Paris, Primavera de 1887
Chicago, Instituto de Arte de Chicago
Observando este quadro, podemos verificar a influência que Van Gogh sofreu de Georges Seurat (pontilhismo).
Mas Van Gogh foi mais longe e ultrapassou a simples técnica de pequenos pontos de cor que se fundem quando vistos à distância. Van Gogh mostrou, neste auto-retrato todo o seu génio no poder expressivo da cor, usando os salpicos de cor no tecido do casaco e no fundo, mas não no rosto.
Van Gogh nunca aderiu inteiramente a uma tendência. Experimentava as coisas e ia buscar aquilo que se adaptava ao seu reportório artístico.
Van Gogh
"Auto-Retrato com Chapéu de Palha"
Óleo sobre tela - 40,5x32,5cm
Paris, Verão de 1887
Amesterdão, Museu Van Gogh
Este auto-retrato, segundo Rainer Metzger e Ingo F. Walther, "contém uma alegre e estival abundância de amarelos na camisa, rosto, chapéu e até no fundo. Algumas pinceladas violeta cuidadosamente dispostas acrescentam uma subtil nota contrastante. É só na cor de ginja na barba que Van Gogh ainda mantém o princípio da cor local; mas mesmo aqui o vermelho é usado demasiado esporadicamente para ser qualificado como descritivo.
O rosto familiar do artista tornou-se um retrato de experiência visual. Os traços básicos do seu rosto foram naturalmente mantidos e a mistura singular de Van Gogh de timidez e severidade rapidamente se identifica."
E por hoje propositadamente interrompo a observação de alguns auto-retratos de Van Gogh, pois na última fase da vida deste artista a abordagem que faz da sua própria imagem tem características diferentes (pelo menos a nível visual, pois a sua decadência psicológica está presente).
Voltarei em breve para escrever sobre este pintor genial.